"Em 1948, Ilka publicou Caminho, seu livro de estreia.
Ativista, Ilka tomou parte de movimentos de divulgação literária, como o Poesia na Praça e Poetas na Praça, em 1969 e 1975, respectivamente.
Em 1972, escreveu O século XIX na fotografia de Militão para o jornal O Estado de S. Paulo[2], artigo sobre Militão Augusto de Azevedo considerada uma das primeiras publicações que atribuiu importância ao fotógrafo e à sua obra.[3]
Na década de 1980, organizou Casimiro de Abreu, livro da coleção Literatura Comentada (Abril Educação), e publicou, com Flora Bender, Crônica: História, Teoria e Prática.
Formada em letras pela USP, Ilka trabalhou no magistério secundário e superior e publicou, além de poesia, contos, crônicas e ficção infanto-juvenil. Na década de 1960, foi diretora do Departamento de Cinema e Educação da Cinemateca Brasileira.
Ultimamente, sofria de mal de Alzheimer e morava com uma sobrinha em Corumbataí, onde morreu após um acidente vascular cerebral" (Fonte: Wiki)
Faleceu em 2012. Deixando as seguintes publicações:
- Caminho (1948);
- A Noiva do Horizonte (1953);
- Autobiografia de Mãos Dadas (1958);
- Janela do Apartamento (1968);
- Sal do Lírico (1978)
- A menina que fez a América(1989)
- 1987 - Livro: Canteiro de Obras (Scortecci/Edicon) (poesia)
- 1990 - Livro: A Menina Que Fez a América (infantil)
- 2001 - Livro: A Menina Que Descobriu o Brasil" (infantil)
“As almas do Amém” de Ilka Brunhilde Laurito
Naquela grande casa de pedra em que vovô Vincenzo e vovó Catarina moravam, ali na rua dos Anjos, havia uma escadinha misteriosa que subia de uma das grandes salas e que parava numa porta sempre trancada. Se escada tivesse nariz, eu poderia dizer que ela batia com o nariz na porta. A porta do sótão.
Ao perguntar para minha avó:
- Posso entrar lá?
Ela me respondia:
— Não, Fortunatella. Criança não entra lá.
Lá, me parecia um lugar assombrado e perigoso. Por isso mesmo fascinante. [...]
Uma vez por semana, vovô Vincenzo reunia à noitinha todos os netos [...]. Ele puxava um grande terço de madeira e começava a rezar. Todo mundo rezava junto com ele e, ao final, um vibrante coro dizia bem alto: AMÉM! Ao ouvir esse amém final e triunfante, vovô Vincenzo erguia as mãos para o céu e encomendava o terço para as almas daqueles que já haviam morrido [...].
Pois naquela noite iluminada, quando vovô fechou o coro do terço, erguendo as mãos e os olhos para o alto, tive a certeza: quem morava no sótão eram as almas do AMÉM! [...]
Um dia porém — e sempre, em toda história, há o dia de um porém —, prima Rina [...] perguntou-me de súbito:
- Fortunatella, o que é que o vovô guarda de bom lá no sótão, hein?
Ofendida, respondi-lhe mais que depressa:
— Vovô não guarda nada LÁ dentro. LÁ moram as almas do AMÉM, que guardam a casa de dia e de noite, principalmente de noite.
Rina soltou uma grande gargalhada e me chamou de boba, desafiando-me:
— Pois você vá LÁ visitar essas almas, que terá uma grande surpresa.
Eu não aguentava desafios. E não sosseguei enquanto não me vi sozinha em casa, apertando nas mãos a chave do sótão, que a vovó guardava dentro de um vaso. Subi devagarinho e com o coração assustado aquela escadinha que ia dar com o nariz na porta. E, quando a abri, pus meu nariz no escuro. [...]
Procurando a janela, percebi uma fresta de luz escorrendo de um quadrado de madeira. Escancarei-o, e a janelinha se debruçou sobre os telhados da casa de Rina. Voltei-me para olhar para dentro do sótão em que deviam dormir as almas do AMÉM! [...] O que ali estava, pendendo do teto, ou muito bem armazenados em caixas e sacos, eram salames, azeitonas, queijos duros, figos secos, nozes, avelãs, amêndoas e mais um monte de coisas gostosas que minha avó Catarina fazia subir pela escadinha toda vez que ia até o sótão. Era ali o estoque de alimentos para os dias de inverno, quando o frio enregelava os campos e não havia colheita. Era a comida para os corpos do AQUI. [...]
Eu logo achei que vovô Vincenzo e vovó Catarina não se importariam se eu distribuísse o estoque entre os netos. E me preparei para fazer escorregar para o telhado vizinho metade daqueles alimentos que meus avós haviam armazenado com tanto sacrifício para os dias difíceis.
Eu disse “me preparei”. Porque uma comadre que passava pela rua, ouvindo risadinhas sobre os telhados vizinhos, correu a chamar vovó, que estava na Igreja de San Leone, lá na praça da Acquanova. [...]
Vovó Catarina levou um susto, mas me perdoou [...].
E foi assim que acabei descobrindo que, quando vovô Vincenzo acabava o terço e erguia as mãos para o teto, talvez estivesse pedindo às almas do AMÉM que velassem pela fartura dos campos da Calábria e que nunca deixassem faltar o pão e o vinho sobre as mesas a fim de que nenhum calabrês, nunca mais, precisasse emigrar para terras alheias.
A menina que fez a América. São Paulo: FTD, 2002.
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