São Paulo: as pessoas de tantos lugares (Milton Hatoum)
À primeira vista, São Paulo assusta. Aos poucos, o susto cede ao
fascínio, à surpresa da descoberta de muitos lugares escondidos ou ocultados
numa metrópole da qual a natureza parece ter sido banida. Isto só em parte é
verdade. Há vários parques e jardins — Aclimação, Villa-Lobos, Burle Marx, Água
Branca e tantos outros —, sem contar o Ibirapuera, que simboliza uma promessa
de urbanismo mais civilizado, ou de um processo urbano mais humanizado,
interrompido pela ganância das construtoras e da especulação imobiliária em
conluio com o poder público municipal.
Esse urbanismo desastroso e desumano é uma das características das
cidades brasileiras, em que os bons arquitetos não participam da intervenção na
paisagem urbana. Apesar das adversidades, um morador de São Paulo aprende a
gostar da metrópole. Já quase não se vê o céu de Sampa, mas há bairros que são
pequenas cidades, há ruas com um casario de uma outra época, com um ritmo de
vida próprio, como se outro tempo resistisse ao cerco dos arranha-céus horrorosos
e ao mundo das finanças e do consumo desenfreado.
Gosto de passear pelo Cambuci, Belenzinho, Penha; Brás, Mooca, Tatuapé
e Santana ainda revelam muitos encantos, assim como a Estação da Luz e o
Mercado Municipal. No mundo grandioso da metrópole, pode-se descobrir uma série
de recantos: pequenas praças, um recorte de paisagem, um beco, um conjunto de
casas neoclássicas, uma antiga vila operária, um boteco ou restaurante.
Recantos que encerram um outro modo de vida, como se a metrópole fosse um
palimpsesto a ser descoberto em cada andança. O oposto disso são edifícios
dotados de clube e shopping centers, que separam seus moradores do resto
da cidade, gerando uma nova forma de segregação do espaço, ainda mais radical
que os condomínios.
Há pouco tempo, uma amiga carioca me disse que gostava cada vez mais
de São Paulo. Quis saber por que. Porque fiz boas amizades na metrópole
vizinha, ela disse.
Senti isso quando me mudei para cá em 1970. Morei num quarto de pensão
na Liberdade. Um dos colegas dessa pensão era outro migrante, um rapaz de
Londrina que passava o dia estudando música e que se tornou, além de um grande
músico, um grande amigo: Arrigo Barnabé.
Entendi que São Paulo era uma meca para onde confluíam pessoas de
todos os quadrantes, as latitudes e as origens; talvez seja este o maior
encanto desta metrópole que une o culto ao trabalho com promessas de amizade. A
diversidade étnica de São Paulo reitera a mestiçagem brasileira, uma das nossas
maiores riquezas.
Não há um único paulistano que não reclame do trânsito, da poluição,
da violência e das filas intermináveis, mas as relações de trabalho e afeto,
que são formas poderosas de inserção social, servem de contrapeso ao caos e aos
males da metrópole.
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