Mario Alberto Campos de Morais Prata (Uberaba, 11 de fevereiro de 1946) é um escritor, dramaturgo, cronista e jornalista brasileiro. Conquistou reconhecimento como romancista, autor de telenovelas e de peças de teatro, sendo seus maiores sucessos a novela Estúpido Cupido (1976), as peças de teatro Fábrica de Chocolate (1979) e Besame Mucho (1987) e os livros Schifaizfavoire - Dicionário de Português (1994), Diário de um Magro (1997), Minhas Mulheres e Meus Homens (1998) e Purgatório (2007).
Quem tem medo de mortadela?
Modismo é conosco mesmo. O brasileiro adora inventar moda. E todo
mundo vai atrás dela. A última do brasileiro é “primeiro mundo”. Os
publicitários nativos inventaram a expressão e agora tudo que nós queremos tem
que ser coisa do “primeiro mundo”.
O carro é do primeiro mundo, a bebida é do primeiro mundo, a mulher é
do primeiro mundo. Cineastas querem fazer filme de primeiro mundo, diretores de
teatro trazem a moda lá da Europa. E os preços, evidentemente, também são de
primeiro mundo.
Será que não nos bastam os exemplos de Portugal, Espanha, Irlanda e
Grécia, que se debruçaram na mamata da CEE e agora enfrentam uma séria recessão
e desemprego?
Por que essa mania, de repente, de querer virar primeiro mundo? De
terceiro para primeiro? Não seria o caso de fazer um estágio, antes, no segundo
mundo?
Os do primeiro mundo adoram as coisas aqui do terceiro. Por exemplo, a
caipirinha. Alemães, ingleses, americanos, suecos caem trôpegos pelas calçadas
de Copacabana. Quer coisa rnais brasileira, mais terceiromundista, mais caipira
e mais barata? Mas já estão avacalhando com ela. Agora já tem caipirinha de vodca
e, pasmem, de rum. Caipirinha sempre foi e sempre será de cachaça. Coisa de
caipira mesmo. E é esta bebida que os europeus vêm procurar aqui. Mas já
meteram a vodca e o rum nela para ficar com cara de primeiro mundo. Vamos
deixar a caipirinha caipira, brasileiros!
Toda essa introdução para chegar à mortadela. Ou mortandela, como
preferem garçons e padeiros. Quer coisa mais brasileira que a mortadela? Claro
que ela veio lá da Itália. Mas tornou-se, talvez pelo baixo preço, o petisco do
brasileiro. O nome vem de murta, uma plantinha italiana que lhe valeu o nome.
Infelizmente o brasileiro acha que mortadela é coisa de pobre, de faminto. E o
que somos nós, cara-pálidas?
A cachaça e a mortadela são produtos do Brasil, do nosso querido
terceiro mundo. Mas acontece que há um preconceito dos patrícios contra a
cachaça e a mortadela. Contra a mortadela o caso é mais grave. Se você oferecer
mortadela numa festa, vão te olhar feio. Você deve estar perto da falência.
Neste Natal e no Reveillon frequentei várias mesas, e em nenhuma havia
mortadela. Queijos de primeiro mundo, vinho de primeiro mundo, perfumes de
primeiro mundo, até um peru argentino eu comi. Mas mortadela que é bom, nada.
Nem uma fatiazinha.
Quando o brasileiro irá assumir que a mortadela é a melhor entrada do
mundo? Quando você for para a Europa, não adianta pedir dead her que não vai
encontrar. Nem muerta dela.
Mas nem tudo está perdido. No dia 1° do ano almocei com o casal
Annette e Tenório de Oliveira Lima, e lá estava a mortadela, fresquinha no prato
rósea. Um limãozinho em cima, um pedacinho de pão e viva o terceiro mundo,
visto lá de cima do apartamento do Morumbi.
No mesmo dia, de noite, fui ao peemedebista Bar Nabuco, debaixo de
frondosas sibipirunas da Praça Vilaboim e estava lá, no cardápio, toda
sem-vergonha, a mortadela brasileira. Achei que estava começando bem o ano. Vai
ser um Ano Bom, como se dizia antigamente. Se os novos-ricos do PMDB estão
comendo mortadela, nem tudo está perdido. No Gargalhada Bar mais para PT, há um
excelente sanduíche de mortadela.
E, nas boas padarias do ramo você ainda encontra a verdadeira
mortadela, aquela que chega no balcão, feita na chapa, sem queimar muito,
servida em pãezinhos saídos do forno.
Vamos deixar o primeiro mundo para lá. Vamos, este ano, tomar cachaça
e comer mortadela. É muito mais barato ser pobre. Deixemos que o primeiro mundo
exploda entre eles, mesmo tomando uísque escocês e comendo queijo fedido.
Por favor senhores brasileiros primeiro-mundistas, vamos deixar de
frescura. Mortadela é o que há. É um barato.
Feliz 94 para todos vocês. Muita cachaça e muita mortadela. Apesar de
tudo, o primeiro mundo é triste e melancólico. Continuemos felizes e alegres
com a nossa cachaça e a nossa gostosa mortadela.
E que os candidatos à presidência deste nosso país do terceiro mundo
não se esqueçam que o Jânio sempre se elegeu comendo “mortandela” e não caviar
do primeiro mundo.
Mario Prata. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 5/1/1994.
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