Crônica: A bola (Luis
Fernando Verissimo)
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que
sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de
couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal!”. Ou o que os
garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o
velho. Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
— Como e que
liga? — perguntou.
— Como, como é que liga? Não se liga.
— Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
— Não tem
manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os
tempos são decididamente outros.
— Não precisa
manual de instrução.
— O que é que
ela faz?
— Ela não faz
nada. Você é que faz coisas com ela.
— O quê?
— Controla,
chuta...
— Ah, então é
uma bola.
— Claro que é
uma bola.
— Uma bola,
bola. Uma bola mesmo.
— Você pensou
que fosse o quê?
— Nada, não.
O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o
encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de
um videogame. Algo chamado Monster Baú, em que times de monstrinhos disputavam
a posse de uma bola em forma de bip eletrônico na tela ao mesmo tempo que
tentavam se destruir mutuamente.
O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido.
Estava ganhando da máquina.
O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu
equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.
— Filho, olha.
O garoto disse “Legal”, mas não desviou os olhos da tela. O pai
segurou a bola com as mãos e a cheirou, tentando recapturar mentalmente o
cheiro de couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse
uma boa ideia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.
Comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
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